ARTIGO LITERÁRIO :

A CIDADE E AS SERRAS:

UMA VISÃO COMUNISTA DA OBRA.


RESUMO: O presente artigo analisa a obra A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós. A análise está voltada para alguns principais aspectos da obra, como o comunismo, através da relação dialógica dos personagens, Jacinto e Zé Fernandes usando de meios para se chegar essa idéia a ironia socrática principalmente através de Zé Fernandes, narrador e personagem por excelência do livro.

Palavras-Chave: Ironia, socratismo e comunismo.


THE CITY AND THE MOUNTAIN RANGES:



A COMMUNIST VISION OF THE WORK



ABSTRACT:

This article anallyses work, A Cidade e as Serras by Eça de Queiroz. The analyses is aimed at some fundamental aspects of it such as communism by means of dialogical relation of the characters Jacinto e Zé Fernandes, resorting to means of reaching at that idea, socratica specially by means of Zé Fernandes, the narrator and the character of the book.

KEWORDS: Irony and Socratismo and Communism.



Introdução



A Cultura Portuguesa teve uma enorme projeção internacional. Entre seus grandes filhos, grandes autores como; Camões, Bocage, Antonio vieira, etc. Não se pode deixar de citar e escrever sobre um grande nome e marco da literatura oitocentista - Eça de Queirós, sem dúvida um escritor por excelência, com romances que ultrapassam os limites lusitanos, e sem ele, a literatura portuguesa estaria incompleta ou talvez não tivesse chegado a sua projeção internacional, intelectual e polêmica.

Este artigo tem como objetivo analisar a sua grande obra: A Cidade e as Serras, estabelecendo uma relação dialógica com o Comunismo, focalizado na ironia socrática do livro. Livro que infelizmente o autor não pode concluir devido sua morte e cabendo essa missão ao seu grande amigo Urtigão.



Narrador irônico e socrático do livro

“... A arte da ironia é a arte de dizer uma coisa sem realmente a dizer” (Mueke, 1980),

O livro tem um narrador que mora na roça e não é “Civilizado” segundo a visão de seu príncipe (Jacinto). É um personagem que possui profundo conhecimento dialético, sendo a única pessoa do livro que dialoga com Jacinto, os outros são apenas para preenchimento de espaço e são usados como pano de fundo do cenário cidade/serras. Mas alguns deles, dialogam com Jacinto.

O livro A Cidade e as Serras nos leva a um mundo crítico com humor e bastante ironia, de maneira explícita e implícita deliciando e fazendo quem o ler viajar em pensamentos de maneira divertida.

“... Trata se de uma obra que ultrapassa o equacionar estrito da velha oposição cidade/campo e que, sobre o aparente esquematismo da associação civilização = ilusão versos Natureza = felicidade, oculta um texto problemático, recheado de indícios e símbolos que, usando a ironia de forma multifacetada, requer decifração” (Lepecki, p. 81-82- 1974).

O grande uso polivalente da ironia tem estimulado vários pesquisadores a analisá-lo de uma forma que reenvia o leitor para o imenso espaço interior da subjetividade e para a amplidão dos horizontes de cada personagem do livro. Pode-se observar o seguinte:



“Contrariando as aparências mais imediatistas, não fica inequivocadamente estabelecida à superioridade do campo sobre a cidade. Pelo contrário, o que realmente acontece é que o inocente bucolismo e a perfeição paradisíaca, supostamente atribuíveis às serras, as idealizam fortemente, contribuindo para que este espaço não surja avaliado com nitidez. Por outro lado, o espaço urbano, sendo transformado em alvo principal de grande parte das críticas, aparece desfavorecido com parcialidade... Uma obra que pretende representar conflitos ideológicos, de classe, ou o mesmo confronto entre atitudes existenciais opostas... E um tanto a maneira socrática, dialogadas.” (PIEDADE, p.14, 2001).

Neste caso, Zé Fernandes se aproxima de Sócrates:

“A aproximidade que aqui detectamos o diálogo socrático tem que ver com aquilo que faz propriamente a sua originalidade e o distingue do discurso dialético, forma já existente antes de Sócrates. E o que o torna original não é tanto a utilização de um discurso dividido em questões e perguntas, como, sobretudo, o papel de personagem central do dialogo atribuído a Sócrates, em cuja atuação, como observaremos, podemos encontrar certas afinidades com a de Zé Fernandes”. (Pierre Hadot, p. 48-56, 1995).

Sócrates era um homem que apreciava a certeza de todas as coisas. Por exemplo, se você fosse escritor, e ele se aproximasse de você de uma forma bem sutil que você o julgasse por suas perguntas como alguém que estivesse interessado em aprender mais de você e esclarecer dúvidas, assim, por meio de seus “diálogos” e pergunta, ao final da conversa você já não teria mais certeza no que realmente você cria. Você ficaria com duvidas devido as indagações e confirmações.

Dessa forma, em A Cidade e as Serras, este livro “supremo”, Zé Fernandes dialoga com Jacinto levando-o a meditar no que realmente ele cria ser “Civilização” e “Felicidade”.

Levando Jacinto, o seu “príncipe” e os leitores da obra, a uma ampla reflexão dos dois mundos: “Cidade e Serras”. A cidade e as serras mostra-nos um mundo dialógico do seu autor, e a fantástica ironia queirosiana. É de muito valor nesta análise citar Mário de Sacramento (p.229-230, 1945), que designa como os “olhos da ironia”, nesta obra de Eça de Queirós afirmando que:

“Por toda essa longa fase que vai de 1880 a 1900[...], Eça esta de posse da suprema consciência irônica e dos segredos de sua transfiguração estética. A ironia apossa se de um tema, informa o dialeticamente, percorre o curiosamente e abandona o finalmente por outro. Lança seu facho luminoso sobre o mundo, indiferente ao que ilumina e apenas preocupada consigo. [...]. a ironia, nele – continua falando – é uma conquista intima paciente, desvelada e sóbria que não surgiu para ‘iludir’ a vida, que alcançou por uma atribuição às realidades [...]. a ironia, que se furtara, noutros tempos ao serviço da política [...] e da moral [...] vai confirmar o seu caráter de independência não servindo definitivamente ninguém – e servindo se de todos e de tudo”.

Sendo assim, uma visão radical, subversão do estado das coisas, passa a ser substituída por uma ironia amável, que tende a nos mostrar a compreensão das coisas e uma aceitação do que elas são.

A obra de Eça na sua fase final adquire uma propensão filosófica, na medida em que os personagens se interrogam sobre as condições básicas da natureza e das condições humanas na serra. Neste momento tudo o que Zé Fernandes falava e agora jacinto vendo pessoas que precisavam de ajuda, começa a nascer em seu coração à luz e a compreensão do comunismo, coisa que ele não percebia na cidade devido seu envolvimento só com a burguesia da França.

Vejamos de uma forma mais ampla e com uma “suprema” terminologia especializada de Muecke,(p.120-1980):

“O principio metafísico da ironia [...] reside nas contradições existentes na nossa própria natureza e também nas contradições existentes no universo ou em Deus. A atitude irônica implica que existe uma contradição básica nas coisas, quer dizer, que há, do ponto de vista da nossa razão, como que um absurdo fundamental e irremediável.”

No livro, a visão de um “Velho Mundo fechado” é substituída por um “Mundo e visão do Universo aberto”.

“Este uso da ironia, cada vez mais filosófico este intimamente relacionado [...] com o proliferar das teorias do cepticismo, do relativismo, do liberalismo e do positivismo e com o aparecimento da postura cientifica e do oposto que (em parte) a complementa, o romantismo” (Muecke, p.120- 1980).

Podemos, então, dizer que a ironia Eciana torna-se mais clara e objetiva na sua obra no período fim de século. Sua “visão do velho Mundo fechado” foi aos poucos substituída por uma “nova visão do Universo aberto” com romantismo e pós romantismo.

Há uma ambigüidade na obra a Cidade e as Serras e Zé Fernandes é dúplice, é ambíguo e duplo. É o sujeito que narra a obra e de certo modo, uma personagem principal, e a única que contracena e faz dialogo com Jacinto. Jacinto é o personagem principal por excelência. Enquanto às outras personagens do livro são “Figurantes, cuja função é criar ambiente”. (Lepecki, p.81-82- 1974). E o narrador não assume o papel de porta voz direto do autor. Pode se dizer que “ A esta autonegação do autor faz quase de contrapeso simbólico o desaparecimento da unidade de consciência representada, da personagem possuidora por uma determinada visão do mundo” (Finazzi, 1987).

Há uma parte do livro em que Zé Fernandes mostra sua opinião a respeito de seu “príncipe” depois de ele ter denunciado os danos tanto físicos como morais e psicológicos provocados na cidade, em “seu príncipe” Jacinto, que o levara a uma “reconciliação com a vida”. Agora, ao final da obra, Zé Fernandes comenta que aquele “homem, antes tão pitoresco pela inquietação filosófica e pitorescas tormentas da fantasia insaciada torna- se “agora monótono nas serras” e Zé Fernandes sente saudades do antigo Jacinto utópico e solta a seguinte afirmação:

“Quando ele agora, bom sabedor das coisas da lavoura, percorria comigo a quinta, em sólidas palestras agrícolas, prudentes e sem quimeras – eu quase lamentava esse outro Jacinto que colhia uma teoria em cada ramo de arvore e riscando o ar com bengala, planejava queijeiras de cristal e porcelana, para fabricar queijinhos que custariam cada um duzentos mil réis” (ACS-229).

Zé Fernandes não deixa de observar que o moderno Grilo também vai mudando seu comportamento nas serras, seu amo de maneira progressiva vai decaindo de maneira física e moralmente na cidade. Grilo mostra-se “Rijo, mais negro, reluzente e venerável na sua tesa gravata no seu colete branco de botões de ouro” (ACS-32).

Depois quando Jacinto ressurge “novíssimo” de maneira ampla, moral e física, Grilo aos poucos perde seu “Claro sorriso de preto”. Grilo já se encontrava alienado pelas fantasias e pelo progresso da cidade, longe da pobreza, dentro dos 202, não via problemas, pois não havia falta de nada e havia amplo convívio com a sociedade burguesa. Zé Fernandes fala da vida de maneira bem humorística e mostra as contradições entre pobres da cidade e os humildes pobres do campo e as dificuldades e desigualdades que há no meio social do trabalho. Neste ponto, trabalhadores da cidade = Martelo e do Campo = Foice.

“Em toda a parte há pobres, mesmo na Austrália, nas minas de ouro. Onde há trabalho há proletariado, seja em paris , seja no Douro” (ACS- 188).

Até agora Zé Fernandes, que só dialogava com Jacinto, questionava a sua “vida boa” em seu “palácio”, longe das desigualdades e diferenças e sem a ajudar o próximo. Agora de forma direta e explicita abre o jogo e fecha os pensamentos em uma questão existente no mundo que Marx confirma que “Sempre existirá a luta entre o capital e o trabalho. Sempre haverá ricos explorando os trabalhadores pobres.” (Apud. Rius,p.91-1980). Eu diria que quando Jacinto se despertou para esta classe menos desfavorecida que trabalhava em suas terras, ele foi um típico industriário Engels(1820-1895), filho de um rico fabricante de tecidos, que quando na Inglaterra teve seus primeiros contatos com a miséria da classe operária, converte ao comunismo e junto de Marx,começa a olhar as pessoas que trabalhavam para sua família com um outro olhar e uma visão mais ampla e humanista.



Relações do Comunismo na obra:

Zé Fernandes na obra, além de ironizar, e de “polemizar” com sua visão comunista, ve que seu amigo se encontra afundado no desespero de uma vida sem significados e, então, ve a oportunidade dele se levantar no campo. Assim como Engels deixa a Prússia em 1842. E em outro lugar, neste caso Manchester, Inglaterra, sua vida antes só filosófica, baseada em Hegel- filósofo que ensinava a seus discípulos que a “alguns deveriam mandar e outros obedecer” e que apesar de você ser explorado, não precisava se angustiar, pois “no lado espiritual você era livre”, não podia ser escravizado. Agradava a todos da burguesia essa sua filosofia que isso era algo “Divino”. (Marx mais tarde o coloca com os pés no chão). Seus olhos agora são abertos para a realidade que sempre existiu, Marx apenas tirara o véu do “Capitalismo Divino” como Hegel levava os seus discípulos a crerem.

Sua tia Vicência ficou toda “surpreendida, e logo encantada com o meu camarada” (ACS). Zé Fernandes agora já identifica Jacinto como um irmão, alguém que agora compartilha da mesma fé e idéia “Comunista” e neste momento o chama de “Camarada”. A tia Vicência acreditava que Jacinto fosse um “Príncipe”; “Arrogante e escarpado” (ACS- 206).

Nesta hora, Zé Fernandes esclarece de que lado realmente ele acredita que seu amigo esteja “E a que família política pertencia – socialista e não Miguelista” e continua a acrescentar que: “Acudi, explicando à tia Vicência que socialista era ser pelos pobres”. “A doce senhora considerava esse partido o melhor, o verdadeiro” (ACS- 219). Agora a ironia de Zé Fernandes com o leitor começa a reassumir uma função subversivamente sua, que permite analisar a realidade. Marx era “subversivo”, o agitador que agitava o que para muitos parecia normal e divino. Agitava a nata da sociedade burguesa. Tirando, assim, sua estabilidade em cima da exploração e mentira. Polemizava mostrando que debaixo daquela famosa “PAX” falsa havia um mundo de lutas e ideologias e posições sociais e cheias de discriminação, que andava como um espectro rondando o submundo da sociedade.

“E em geral, os choques da velha sociedade favorecem de diversos modos o processo de desenvolvimento do proletário. A burguesia vive em guerra permanente: primeiro, contra a aristocracia, depois contra frações da própria burguesia cujos interesses entram em contradição com os progressos da indústria, e sempre contra a burguesia de todos os países estrangeiros...” (Marx, p. 43-2006).

Então, nesta luta, o proletário é o que sofre com péssimas condições de vida. Jacinto, agora no campo, começa a se preocupar com as famílias que moram em suas terras e procura ajudá-las a ter uma vida melhor e deixa de enxergar o homem como “apenas produto de seu próprio trabalho” o que o capitalismo mostrava a ele na França era apenas uma “fachada” de seu próprio sistema. É no campo que Jacinto, em contato com a realidade, foi-lhe tirado o véu das aparências, e viu a dura e cruel realidade, sentiu- se como Engels em seu contato com um mundo que ate então era escondido por filosofias que só tinha intuito de tentar fazer com que o individuo se conformasse com a situação e se sentisse privilegiado por Deus, por ser rico e poder mandar. E o que não era rico tinha que se contentar com a sua pobreza dada por Deus. Seria como aquele ditado no mundo moderno:

“Quem nasceu pra ser tostão, nunca chega a barão”.

Logo no primeiro capitulo. Zé Fernandes ao ir visitar seu amigo, ele começa a mostrar os bens que possui em seu “Palacete” nos 202, a Zé Fernandes e dizer que aquilo que era “Civilização”, possui bens e acumular estatus. Para Marx isso é prejudicial para o homem: “O que ele não percebe que quanto mais ele tem, menos ele é”. E que o homem vende a “si mesmo para possuir, para ter o que o outro possui [...]” (Rius, p.82,1980),

Jacinto já fazia parte desta vida de consumismo que o capitalismo o havia criado possuir mais e mais era a publicidade da época, tudo mostrava que para “ser civilizado” tinha de comprar mais e mais, possuir mais e mais, e quanto mais você possuía menos, você tinha e menos você era. Jacinto estava no caminho do consumismo e da alienação. Precisava fugir daquele mundo para ver a realidade, Zé Fernandes sabia muito bem disso quando o foi visitar, pois neste momento começou a indagar seu amigo de forma dialética para tentar abrir seus olhos, de visão mecanicista para uma visão mais espiritualista, sentimentalista e humanística da vida.

Na verdade, como bem grifa Manoel Bandeira (1945). Sobre Eça:

“Profundamente imbuído do espírito europeu do século XIX, foi, todavia, bastante lúcido para sentir, em sua ameaçadora tragédia, o crespúsculo da civilização capitalista e imperialista. Estão em suas cartas qua analisavam a miséria das classes pobres, a política de pilhagem das grandes potências. Não o cegava nessas análises o amor que voltava às culturas inglesas e francesas: sob o esplendor da civilização material e espiritual, sabia ver com isenção na democracia burgesa da França ‘uma vasta casa de negócio’, na ordem imperial britânica ‘a sofreguidão mercantil de um povo lojistas”.

Na correspondência de Eça ao Brasil ele nos fala:

Enganados pela ciência, embrulhados nas subtilezas balofas da economia política, maravilhados como crianças pelas habilidades da mecânica, durante setenta anos construímos freneticamente vapores, caminhos de ferro, máquinas, fábricas, telégrafos, uma imensa ferramentagem, imaginando que por ela realizaríamos a felicidade definitiva dos homens e mal antevendo que aos nossos pés e por motivo mesmo dessa nova civilização utilitária se estava criando uma massa imensa de miséria humana, e que com mais pedaço de ferro que fundíamos e capitalizávamos, íamos criar mais pobres.”

Segundo Marx (Apud. Rius, p. 79, 1980) nos diz que:

“... A alienação do operário se expressa assim; quanto mais ele produz, menos ele consome quanto mais valor criar, menos valor terá [...] agora a parte que gostaria de chegar [...] O trabalho produz coisas fabulosas para os ricos, mas produz miséria para o pobre. Às máquinas substituem o trabalho humano e diminue este trabalho, e converte alguns trabalhadores em máquinas...”.

Desse modo, a alienação faz suas vitimas, assim Jacinto procurou preencher seu vazio interior em Salomão, através de seu pessimismo cínico para alguns, e realistas e religiosos para outros. Nessa tentativa desesperadora de aliviar a sua tensão e o vazio existencial dentro de si. Para o Comunismo “É através da religião que o homem se liberta de suas tensões”, assim alivia a sua mente, ela funciona como “ópio”. Trazendo alivio a sua mente e fazendo que ele fuja da realidade por alguns momentos. Não podemos “acabar com ela, pois acabando com ela, destruiríamos o próprio homem”. Quando Zé Fernandes ia com Jacinto na casa de Madame Oriol, começava a citar os assuntos discutidos com a Madame de Oriol: “A republica, o socialismo, a democracia”.

Desde já, constitui-se o ambiente para Jacinto ver a verdade comunista que já estava sendo trabalhada desde o capitulo sete do livro. Segundo Bakhitin (1929) “Um produto ideológico faz parte de uma realidade (Material ou Social) como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrario destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior.”

Na esteira desse autor, verifica-se a presença da ideologia no livro A Cidade e as serras que conversa com o leitor levando- o a realidade exterior, a que o signo remete. Dessa forma, a ironia socrática leva o leitor a entender a ideologia marxista do livro, visto que o comunismo também tem raízes socráticas. O próprio Marx considera que ele não é o dono do mérito, conforme se pode constatar no trecho abaixo:

“Não cave a mim o mérito de ter descoberto a existência de classes sociais na sociedade moderna, ou a luta entre elas. Muito antes de mim historiadores burgueses descreveram o desenvolvimento histórico dessas lutas de classes” (Weydemeyer, 1852).

Zé Fernandes vê na cidade “A maior ilusão” e percebe que o homem pensa ter nela a base de toda sua grandeza e só nela há “a fonte de toda a sua miséria”. Jacinto na cidade não tinha contato com o proletário dela. Só tinha amigos Ricos, famosos e seus assuntos nunca eram sobre os pobres. Conhecia também o que os livros falavam de maneira bela sobre o progresso da “Civilização”. Neste período, na Europa, operários trabalhavam ate dezesseis horas por dia. Jacintos assim como muitos de sua época só viam os produtos que eram resultados da mão de obra do operário. Aquilo de riquezas, luxo e conforto que Jacinto via ou tinha em Paris, estava escondido pela sociedade, lutas de pobres, explorados, maltratados, mutilados pelas máquinas, crianças sendo escravizadas. Vidas lutavam pela sobrevivência e pela igualdade e por direitos nas fétidas fabricas para manter a “boa e divina burguesia”.



Considerações finais:



Este livro A Cidade e as Serras propiciam ao leitor uma visão ampla de conhecimentos.

Aqui neste estudo, objetivou-se tentamos mostrar além da ideologia encravada no livro, uma visão mais ampla de como esta obra é rica em ambigüidades, ironia, diálogos com o leitor, de uma forma que nos faz viajar nela para outros mundos literários, pensamentos, reflexões sobre a condição humana, espiritual, humanística, filosófica. Veja às sabias palavras de Barthes (1979):

“Tento – diz Barthes – deixar me levar pela força de toda a vida viva: o esquecimento. Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas surge em seguida uma outra em que se ensina o que se não sabe: a isso se chama procurar. Chega agora, talvez, a idade de uma outra experiência: a de desaprender, de deixar germinar a mudança imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda que ousarei aqui arrebatar, sem complexos, à própria encruzilhada da sua etimologia: Sapientia: nenhum poder , um pouco de saber, um pouco de sabedoria e o máximo de sabor possível.”

Jacinto, no Campo, chega ao “ponto máximo”, visto que agora sentia-se realizado por ajudar o próximo, que não precisava mais se esconder em “Pensadores pessimistas”. Veja como ele é descrito como um “deus”, vendo e desfrutando “a sua obra”, “sua criação perfeita”. O comunismo nas Serras estava agora estabelecido, vendo o trajeto das “doutrinas de pré-requisitos para a emancipação do Proletariado.” e como conseguiu implantá-las. Descansava em paz, nas divisões de bens e em comum acordo. E já podia descansar em sua cadeira:

“A fronte superdivina que concebera o Mundo pousava sobre a mão superforte que o mundo criara – e o Criador lia e sorria. Ousei, arrepiado de sagrado horror, espreitar por cima do seu ombro coruscante. O livro era brochado, de três francos... O eterno lia Voltaire, numa edição barata, e sorria”. (ACS 74).



Referências Bibliográficas



PIEDADE, Ana Nascimento. “Ironia e Socratismo em A Cidade e as Serras”. Instituto Camões. Lisboa, p.14, 2001.

D.C. Muecke, “The Compasso f irony”. London and New York, Methuen, 1980.

LEPECKI, Maria Lúcia. “Jornal do Fundão”. Editora, 1974, pp. 81-82.

PIERRE, Hadot. “QU’ EST- CE- QUE LA PHILOSOPHIE ANTIQUE?” Paris, Editions Gallimard, 1995. Pp. 48-56

BAKHITIN, Mikhail. “La poétique de Dotoievski”, Paris, Editions Du Senil, 1970. pp. 151-158.

BARKHITIN, Mikhail. “Marxismo e filosofia da Linguagem”. Ed. Hucitec. São Paulo- 9 ed. 1999.

MARX, Karl. “Manifesto do Partido Comunista”. São Paulo- Brasil. Ed. Anita Garibalde, 2006. P. 43.

Rius, Eduardo Del Rio (Rius 1980). “Conheça Marx”. Proposta Editorial. São Paulo, Brasil.

LIÇÃO, (trad. Portug.), Lisboa, Edições 70, 1979. PP. 41-2.

Manoel Bandeira, “Correspondência de Eça de Queiroz para a imprensa brasileira”, in Livro do Centenário de Eça de Queiroz, Lisboa/Rio, Edição Dois Mundos, 1945, p. 180.

Excerto datado de 23 de abril de 1895, in “correspondência de Eça de Queiroz para a imprensa brasileira”, op. Cit., p. 178.

Mário Sacramento, Eça de Queiroz – “Uma Estética da Ironia”, Coimbra Editora Limitada, 1945, PP. 229-230.